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Agricultura Digital e seu papel na avaliação de tecnologias e manejos empregados na lavoura

Por Francisco Nogara Neto


Primeira Avaliação


A agricultura digital é sem dúvidas uma realidade nas fazendas, sítios e condomínios agrícolas espalhados pelo planeta. Não há dúvidas que este conjunto de tecnologias vai alterar a realidade dos sistemas produtivos no setor agrícola, porém a pergunta que muitos fazem é: como estas mudanças podem contribuir com os resultados da minha propriedade?

Apesar de muitas das tecnologias como sistemas GPS de navegação e colhedeiras com sensores de produtividade estarem presentes em algumas propriedades desde o final do século passado, a questão é como utilizar estas tecnologias para a melhorar os resultados da propriedade, garantindo assim sustentabilidade.


Nesta matéria, iremos abordar um estudo de caso no qual uma característica em especial de um híbrido de milho testado na lavoura de um cliente AgroEvox nos conduziu a outras perguntas. As respostas obtidas por meio de diferentes tecnologias chamadas digitais nos permitiu reavaliar melhor os resultados inicialmente obtidos, bem como obter respostas quanto ao manejo da cultura. Mas antes de iniciarmos o estudo de caso é importante lembrar que a metodologia utilizada ainda é empírica, porém os resultados obtidos foram muito claros. Outro ponto a ser considerado é que os resultados desta propriedade não necessariamente se repetirão em outras condições, os valores aqui obtidos são para demonstrar o poder que a ferramenta possui na análise de resultados da propriedade e futuras tomadas de decisão.


O início deste caso aconteceu quando recebemos os resultados de uma avaliação de campo da região de Londrina–PR, realizada por meio de pesagem em balança rodoviária portátil, sendo a área colhida calculada pelo comprimento medido pela distância percorrida e registrada no monitor da colhedora e sua largura pela faixa de colheita da plataforma. A posição das faixas no talhão foi selecionada ao acaso pelo representante da empresa que comercializa o híbrido A, não sendo, portanto, assistida pela nossa equipe. Estavam presentes os representantes das empresas das duas genéticas, bem como o produtor rural. Os resultados desta avaliação estão na tabela 1.


Tabela 1 – Resultado comparativo de campo, obtido por balança portátil entre dois híbridos de milho em um talhão de milho situado na região de Londrina-PR.



Para nosso espanto nesta avaliação as diferenças de produtividade foram surpreendentemente muito acima de nossa expectativa, pois o híbrido B apresentava uma característica agronômica muito interessante para a época de plantio, sendo esta possível de se detectar por meio de imagens de satélite quando o indicador empregado expressava a relação entre biomassa e água na planta.


Como tínhamos disponíveis várias informações georreferenciadas (mapa de fertilidade) das análises de solo, imagens de satélite e mapa de colheita devidamente processado e corrigido pela produtividade média obtida no talhão, decidimos realizar uma avaliação mais criteriosa com os dados disponíveis.


O Talhão abaixo foi semeado entre 18 de janeiro e 20 de janeiro de 2022, praticamente toda a área foi cultivada com o Híbrido A, exceto a faixa do híbrido B destacada em amarelo na figura 1, sendo que a colheita foi realizada no dia 26 de maio de 2022. As adubações de plantio e cobertura foram realizadas em taxa fixa e uniforme para todo o talhão, somente o potássio foi aplicado em taxa variável antes do plantio da soja. A calagem e fosfatagem corretivas foram postergadas para serem realizadas no período que antecede ao plantio da soja em 2023.


Figura 1 – Posição das faixas no talhão, a genética do híbrido teste (B) está destacada em amarelo.



O primeiro passo foi localizar e criar polígonos (áreas) com dimensões semelhantes, que ocupassem áreas de fertilidade similar bem como semeadas no mesmo dia. Para este fim optou-se em criar três (3) polígonos lado a lado, sendo dois deles com a genética A e outro com a genética B, cada polígono ficou com área de 3,4 ha ou 1,4 alqueires, conforme a Figura 1.


Com as áreas acima definidas, iniciamos buscando as imagens do satélite Sentinel 2A e 2B da agência espacial europeia ESA, com as quais poderíamos gerar as imagens dos índices de biomassa e fotossíntese e o de biomassa e água.


Com os índices acima calculados realizamos as estatísticas de desenvolvimento em cada faixa, a saber duas do híbrido de milho A e outra no centro do híbrido B, nas imagens obtidas no período de 20 de janeiro a 25 de maio de 2022, desde que não houvesse nuvens sobre a área de estudo. Com os resultados elaboramos gráficos de desenvolvimento dos indicadores que são coincidentes com o desenvolvimento da cultura, os resultados estão representados nos gráficos 1 e 2.


Gráfico 1 - Avaliação temporal do índice de biomassa e fotossíntese, obtida por imagens de satélite no período entre 11/02/2022 e 22/05/2022.



Gráfico 2 - avaliação temporal do índice de biomassa e água, obtida por imagens de satélite no período entre 11/02/2022 e 22/05/2022.



Nos gráficos acima podemos observar que tanto para os índices de biomassa e fotossíntese, bem como para o de biomassa e água, temos um comportamento muito semelhante entre os mesmos. Na fase inicial de desenvolvimento até o florescimento e início de enchimento de grãos, por volta do dia 07 de abril de 2022, o híbrido teste B apresentava ambos indicadores com valores ligeiramente superiores em relação às faixas do híbrido A, indicando que o híbrido teste B apresentava características agronômicas superiores ao híbrido A, cultivado no restante da área.


No caso do índice de biomassa e água do gráfico 2, o híbrido teste B demonstrou diferença de valores um pouco maior que o índice de biomassa e fotossíntese do gráfico 1. Esta característica diferenciada de água na biomassa nos chamou muito a atenção conforme a figura 3 demonstrada na faixa do híbrido teste, pois, esta característica é especialmente relevante para o período de cultivo de milho na região.


Figura 2 – Imagens do índice de biomassa e fotossíntese no período de 07 de abril a 22 de maio de 2022.



Figura 3 – Imagens do índice de biomassa e água no período de 07 de abril a 22 de maio de 2022



A imagem da figura 3 evidencia que no dia 07 de abril o híbrido teste tinha um comportamento superior à média da lavoura na relação biomassa e água na planta, destacando sua faixa com a coloração azul escuro representando a melhor situação, esta condição é notada mesmo na parte do talhão onde sabidamente, pelos dados de fertilidade, temos a necessidade de elevar os níveis de fósforo no solo, esta área está situada à esquerda das faixas.


No caso do desempenho relativo inferior à média no lado direito das faixas e do talhão, está relacionada a necessidade de calagem e cálcio. A melhor condição de água na planta reflete, no caso do híbrido teste, característica agronômica muito interessante para o plantio de safrinha, pois notadamente na região o inverno é caracterizado por um regime de chuva inferior ao verão.


Em ambas as sequências de imagens, tanto da figura 2 como na figura 3, bem como o demonstrado nos gráficos, as faixas avaliadas demonstraram comportamento idêntico até 07 de abril, sendo que a partir desta data o comportamento se inverteu com o híbrido cultivado A assumindo as melhores condições de desenvolvimento na lavoura.


O questionamento então é: qual a causa desta alteração? Visto que os ciclos dos dois híbridos são relativamente semelhantes, aliás o híbrido cultivado A tem uma leve vantagem quanto a precocidade.


Se considerarmos que a presença de cigarrinhas do milho (Dalbulus maidis), foi constante na região especialmente nos primeiros plantios, sendo este inseto vetor do complexo de enfezamentos do milho e este conjunto de doença manifestar-se na planta em torno de 40 a 45 dias após a infecção, temos que a data de 07 de abril menos este período coincide com o período de maior dificuldade de controle do inseto vetor, que se deu por volta da segunda quinzena de fevereiro de 2022.


Assim chegamos à conclusão que a variável de maior impacto no resultado da lavoura foi a ocorrência do complexo de enfezamento transmitido pela cigarrinha do milho, este diagnóstico coincide com os sintomas da lavoura, que apresentaram morte prematura de plantas, acamamento e menor peso de grãos para as regiões onde a lavoura foi mais afetada.

Com a finalidade de avaliar os resultados de produtividade utilizamos os mesmos polígonos acima demonstrados na figura 1, nestes extraímos as estatísticas regionalizadas pelas áreas na imagem raster, referente ao mapa de colheita devidamente processado e representado abaixo na figura 4.


Figura 4 – Mapa de colheita corrigido

O mapa de colheita da área contempla produtividades que vão de 70 a 400 sacas/alqueire, esta grande diferença de produtividade tem por fatores de variabilidade, além da ocorrência de infestação com cigarrinhas e posterior ocorrência de enfezamentos, a fertilidade do solo e problemas de germinação na porção mais ao sul do talhão. Por este motivo julgou-se que a comparação entre o híbrido teste seria mais equilibrada quando feita em ambos os lados da faixa teste.


Na extração de resultados foram realizados nos polígonos as estatísticas referentes a produtividade média, mínima, máxima, valor mais frequente e coeficiente de variação, na tabela 2 representado por variação da faixa dado em porcentagem.


Tabela 2 – Resultados estatísticos das faixas

de avaliação entre o híbrido cultivado A e o híbrido teste B.




Os resultados das faixas comparativas demonstram que o Híbrido A foi menos afetado pelo enfezamento, porém as diferenças de produtividade não são as mesmas da avaliação feita à campo com a balança móvel, no caso da avaliação da área dos polígonos as diferenças de produtividade média relativas as faixas do Híbrido A e Hibrido B são de 39,7 sacas/alqueire quando a comparação é da faixa norte e de 8 sacas/alqueire com a faixa Sul, bem distantes da diferença de 109 sacas/alqueire obtidos na avaliação inicial à campo.


Quando observamos as outras estatísticas notamos que o híbrido teste B possui indicadores menos variáveis, valor este que pode ser confirmado pelo dado de variação na faixa (Coeficiente de Variação), indicando que a característica agronômica da planta de melhor desempenho na relação biomassa água confere ao híbrido maior estabilidade produtiva.


Desta forma pudemos concluir que o híbrido teste B deve ter nova oportunidade numa condição onde o controle do inseto vetor do complexo de enfezamento tenha outra dinâmica, seja com a alteração de uso de produtos com maior eficiência contra a cigarrinha do milho, bem como na redução do período entre as aplicações, necessitando, portanto, de monitoramento mais constante na lavoura para delimitação do período mais crítico da infestação.


Segunda Avaliação


Após a análise comparativa entre o híbrido teste e o híbrido semeado no talhão uma pergunta ganhou muita importância: qual o benefício que poderia ser atingido com um manejo mais intenso de controle da cigarrinha do milho?


Voltando para o mapa de colheita, figura 4, podemos observar que o talhão de forma geral apresentou grande variação de produtividade. Especificamente nesta área, as causas mais relevantes de variabilidade da produtividade são o complexo de enfezamento e seus insetos vetores, necessidade de correções de fertilidade em alguns locais do talhão (nas partes oeste e leste) bem como problemas com o plantio e germinação das sementes na porção sul do talhão.


Na tabela 3, podemos comparar as faixas de produtividade por área e em percentagem da área total. Assim, com os resultados obtidos no mapa de colheita, notamos que temos significativas porções do talhão com os extremos de produtividade. Destacamos que no talhão temos 10,3% da área com produtividade abaixo de 180 sacas/alqueire, em contrapartida temos também 9,9% da área com produtividade acima de 380 sacas/alqueire, este resultado pode ser atribuído em grande parte aos efeitos dos enfezamentos na área.


Tabela 3- Distribuição da produtividade em faixas por área e em percentagem do total


Assim definimos que outra boa resposta a ser encontrada nos dados levantados nesta área está na avaliação do impacto econômico que as cigarrinhas, vetores do complexo de enfezamentos, ocasionaram na lavoura de milho. Para isto teríamos que encontrar e comparar duas áreas onde a redução de produtividade estaria ligada predominantemente a ocorrência do complexo de enfezamento.


Como já abordamos anteriormente, conhecíamos a fertilidade do talhão e a parte norte do mesmo tem destacadamente fertilidade mais alta e homogênea, bem como os problemas de plantio estavam restritos apenas na porção sul da área, assim, criamos dois polígonos arredondados com a mesma área e situados relativamente próximos em região homogênea, porém com resultados de produtividade diferentes, destacamos na figura 5 abaixo estas áreas e as denominamos como A1 e A2, lembrando que ambas eram cultivadas com o mesmo híbrido.



Figura 5 – localização das áreas para estimativa dos danos de cigarrinha no talhão


As áreas destacadas em amarelo na figura 5, foram avaliadas separadamente utilizando as estatísticas por polígono quanto aos índices de biomassa e fotossíntese bem como o índice de biomassa e água, obtidos por sucessivas imagens do satélite Sentinel – ESA, durante o período de desenvolvimento da cultura. Esta avaliação por imagens teve por objetivo verificar se as áreas afetadas tinham alguma diferença de desenvolvimento quanto aos indicadores, assim teríamos mais elementos para confirmar se a escolha das áreas quanto a fertilidade e plantio eram similares e se o histórico de ataque de cigarrinhas do milho poderia ser confirmado também após ao dia 07 de abril, da mesma maneira que ocorreu na avaliação das faixas com os híbridos.


Os gráficos 3 e 4 a seguir demonstraram que na fase inicial as duas áreas tiveram desenvolvimento similar até o início de abril, destacado pela seta vermelha, confirmando que a escolha da área foi adequada para o propósito. A partir desta data, a área A1 demonstrou queda na taxa de desenvolvimento em relação a área A2, similar ao que ocorreu no estudo das faixas com híbridos, indicando que o complexo de enfezamento do milho demonstrava seus primeiros sintomas. Este comportamento está relacionado com a maior proximidade da área A1 em relação ao limite do talhão, esta condição sabidamente é mais favorável a infestação de pragas do que nas áreas mais internas da área.


Gráfico 3 - avaliação temporal do índice de biomassa e fotossíntese, obtida por imagens de satélite no período entre 11/02/2022 e 22/05/2022.



Gráfico 4 - avaliação temporal do índice de biomassa e água, obtida por imagens de satélite no período entre 11/02/2022 e 22/05/2022.



As figuras 6 e 7 abaixo retratam que as áreas escolhidas tinham comportamento superior à média quanto aos índices de biomassa, fotossíntese e água, indicado pela maior presença das cores verde no índice de biomassa e fotossíntese, figura 6, e azul no índice de biomassa e água, figura 7, em ambos os polígonos este comportamento perdurou até o dia 07 de abril, porém a partir da data de 27 de abril o círculo A1, mais próximo da estrada assumiu comportamento predominante mediano em relação ao talhão enquanto o círculo A2 tinha comportamento superior à média em ambos os indicadores.


7 de abril de 2022 27 de abril de 2022



Figura 6 – Imagens do índice de biomassa e fotossíntese nas datas de 07 de abril e 22 de maio de 2022.


07 de abril de 2022 27 de abril de 2022


Figura 7 – Imagens do índice de biomassa e água nas datas de 07 de abril e 22 de maio de 2022.


Validada a escolha dos polígonos, passamos a realizar então as estatísticas com o mapa de colheita devidamente processado e corrigido, com base nestes dados realizou-se as estatísticas por região, os resultados estão na tabela 4.

Tabela 4 – Resultados estatísticos dos polígonos de comparação.



Analisando as produtividades mínima e máxima, bem como a percentagem de variação observamos que a produtividade foi mais constante no polígono A-2, justamente a área menos afetada pela cigarrinha. A média de produtividade na circunferência A-2 foi superior à média de produtividade na circunferência A-1 em 102 sacas/alqueire. Portanto se considerarmos que as duas áreas são homogêneas quanto a fertilidade e população de plantas, os danos econômicos causados pela cigarrinha do milho podem ser estimados no talhão em 6.100 kg/alqueire ou 102 sacas/alqueire, ou então aproximadamente 25%.


Figura 8 – Mapa de colheita corrigido e com destaque dos dois

polígonos circulares para extração de dados de colheita.



Conclusões


Mesmo que não exista ainda uma metodologia unificada a utilização de dados georreferenciados, digitalizados e devidamente processados, servem para avaliação de tratamentos, ensaios, bem como a extensão dos danos das muitas ocorrências na lavoura, aumentando com isto a confiabilidade na tomada de decisão e evitando conclusões equivocadas.


A simples comparação dos resultados de produtividade entre genéticas numa única condição, podem levar o agricultor e seus consultores a descartarem características agronômicas adequadas a região e ao período de cultivo.

No caso deste estudo de caso, o impacto que a cigarrinha do milho ocasionou na lavoura seguramente foi a principal causa de redução de produtividade. Se considerarmos que a aplicação de produtos para controle desta praga custa em torno de 6 sacas por alqueire a realização, de 2 ou mais reaplicações seriam economicamente viáveis.


Abraço!

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